domingo, 25 de janeiro de 2015

[RESENHA] – Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa


Título: Grande Sertão: Veredas

Título Original: Grande Sertão: Veredas

Autor: João Guimarães Rosa

Quantidade de páginas: 624

Editora: Nova Fronteira

Publicação: 2010

Preço Médio: R$ 38,40 – R$ 87,37





Sinopse:
“Estou contando ao senhor, que carece de um explicado. Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. A senvergonhice reina, tão leve e leve pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade. Está certo, sei. Mas ponho minha fiança: homem muito homem que fui, e homem por mulheres! – nunca tive inclinação pra aos vícios desencontrados. Repilo o que, o sem preceito. Então – o senhor me perguntará – o que era aquilo? Ah, lei ladra, o poder da vida. Direitinho declaro o que, durando todo tempo, sempre mais, às vezes menos, comigo se passou.

Aquela mandante amizade. Eu não pensava em adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe, e eu só nele pensava. E eu mesmo não entendia então o que aquilo era? Sei que sim. Mas não. E eu mesmo entender não queria. Acho que. Aquela meiguice, desigual que ele sabia esconder o mais de sempre. E em mim a vontade de chegar todo próximo, quase uma ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços, que às vezes adivinhei insensatamente – tentação dessa eu espairecia, aí rijo comigo renegava. Muitos momentos.”

Opinião:
 Apesar da fama do autor, este livro foi minha primeira experiência com algum trabalho dele. Faz aproximadamente uma semana que terminei de lê-lo, e posso dizer que ainda estou impactada. O livro é muito bom. Foge muito do gênero literário que eu estou acostumada a ler, mas imediatamente se tornou um dos melhores que já li da literatura nacional. Algumas coisas me chamaram atenção em especial e comentarei elas aqui embaixo para vocês (sem spoiler).

Mapa presente no livro.

Texto de Paulo Rónai:
Antes da história começar, o livro apresenta ao leitor uma nota do editor, um poema escrito por Carlos Drummond de Andrade e um pequeno texto escrito por Paulo Rónai. Este texto é bastante instrutivo para o leitor, porém aconselho que deixem para lê-lo depois que lerem a história do livro. Percebi que alguns trechos escritos por Paulo Rónai neste texto adiantam situações que seriam mais emocionantes se tivessem sido lidas diretamente na história. O texto não chega a dar nenhum spoiler diretamente, porém possui dicas suficientes para que o leitor faça deduções sobre o destino dos personagens.

Linguagem:
A linguagem usada no livro me causou bastante estranhamento no início, pois o autor faz uso da linguagem própria de um jagunço (nome que costumava ser dado a um capanga de líder político no nordeste). Por isso existem muitos regionalismos e também muitas palavras criadas por Guimarães Rosa, porém não é necessário um dicionário nem nada do tipo, pois tudo pode ser compreendido junto ao contexto.


Narrativa:
A história é narrada pelo protagonista, Riobaldo, um ex-jagunço. Ele conversa com o leitor como se estivesse falando com um viajante vindo da capital, alguém que ele trata com muito respeito e julga ser mais inteligente que ele. Nas primeiras quarenta páginas do livro, a narrativa de Riobaldo parece confusa, cheia de perguntas, lembranças desconexas, metáforas estranhas e pensamentos filosóficos. A sensação do leitor é de que toda aquela conversa é à toa, mas quando o protagonista começa a contar sobre seu período como jagunço, a história finalmente flui. A narrativa ganha sequência e aos poucos o leitor vai percebendo que todos aqueles questionamentos que Riobaldo fazia no início do livro estavam relacionados às coisas que teve que vivenciar em sua vida e tudo passa a fazer sentido. Por isso é necessário persistência para ultrapassar as primeiras páginas, mas o esforço é bem recompensado depois.

O Diabo:
O Diabo é bastante presente no imaginário do protagonista. Ao mesmo tempo em que Riobaldo diz não acreditar na existência dele, demonstra às vezes ter medo de que ele exista. Em alguns trechos o personagem apresenta suas visões de como seria o Diabo, e isso é bem interessante, pois às vezes ele parece acreditar no Diabo como uma figura horrenda com chifres, enquanto em outras o vê como um homem elegante, ou ainda chega a supor que o Diabo seja apenas a maldade dentro de cada ser humano. Depois toda essa preocupação com relação ao Diabo é compreendida pelo leitor.

Cavalgada, obra do pintor Carybé

Diadorim:
Diadorim é um jagunço do mesmo grupo que Riobaldo faz parte e os dois são melhores amigos. Porém Riobaldo nutre um amor secreto por Diadorim e isso é mostrado de forma bastante surpreendente. O protagonista não se permite declarar este amor, visto que ele próprio o nega muitas vezes até começar a acreditar que sinta mesmo aquilo. Diadorim é descrito pelo ponto de vista do protagonista, e ele é mostrado como um homem frio, vingativo e com sede de guerra. Porém, ao mesmo tempo, há algumas cenas em que Diadorim demonstra ser sensível, principalmente com relação à natureza que o cerca e ao pai. Além disso, Diadorim e descrito como um homem bonito e de traços delicados.  O protagonista o admira também por sua coragem maior do que a de todos os outros do bando. Não sei se isso acontece porque o personagem é descrito pelo ponto de vista de Riobaldo, que é apaixonado por ele, mas é muito fácil que o leitor também acabe admirando Diadorim. Ele é o personagem que mais me chamou atenção na história.

Os jagunços:
Os jagunços do bando de Riobaldo chamam atenção porque aparecem de forma que encanta o leitor. Eles têm nomes e cada um tem uma identidade própria, além de que são mostrados como um grande grupo de amigos que defendem a justiça na qual acreditam, cavalgando juntos, comendo juntos, dormindo juntos, guerreando juntos e festejando juntos. Dá até vontade de estar no meio deles se divertindo tanto e vivendo tantas aventuras!

Ilustração de Ciro I. Marcondes

“(...) O Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-sei-que-diga, O-que-nunca-se-ri, o Sem-Gracejos... Pois, não existe!”

Sei que desta vez a resenha foi grandinha, mas espero que tenham se interessado em conhecer esse clássico da literatura nacional. E quem já conhece, comenta aqui embaixo (sem spoiler) o que achou deste livro!

Beijos.


Jéssica Martins 

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"O fruto de cada palavra retorna a quem a pronunciou" (Abu Shakur).